Confiar em estranhos? Quem haveria de assim proceder nos tempos atuais? Seria de pronto classificado como uma pessoa ingênua. Temos a impressão de que esse mundo está completamente perdido. Será mesmo? Eu, pelo menos, acredito nas pessoas. Às vezes, todos acreditam. Quem de nós não aceita como certa a informação de um estranho ao indagarmos um endereço em alguma cidade ou bairro desconhecido?
No último fim de semana que eu passei no Crato, esqueci de colocar gasolina no carro e a caminho do aeroporto, onde fora esperar uma sobrinha da minha nora, como era previsível acontecer, o veículo parou. Isto é: eu fiquei “no prego” de motorista. Como não havia nenhum posto de gasolina nas imediações, não tive dúvidas: ao primeiro moto-taxista que passou, resolvi lhe entregar uma cédula de cinqüenta reais, para que ele me trouxesse gasolina suficiente para me tirar daquela situação desagradável. Na aflição em que eu me achava, esqueci de perguntar pelo nome daquele salvador e de anotar o número da placa da sua motocicleta. Um risco: concordarão todos. Mas menos de dez minutos depois, o motociclista chegou com a gasolina, tendo prestado conta bem direitinho do dinheiro que eu lhe havia confiado. E ainda me ajudou a repor o carro em funcionamento, desobstruindo a alimentação do carburador, que como era natural, ficara entupido.
Já vai longe o tempo em que confiar nas pessoas era uma virtude natural e espontânea. Homens e mulheres carregavam dentro de si uma áurea de honestidade e de confiança mútua.
O historiador cearense Raimundo Girão, em seu livro de memórias “Palestina, uma agulha e as saudades”, nos revela que seu tio Luis Eduardo Girão, mais conhecido por Lulu, era um homem que confiava cegamente na honestidade dos outros. E sempre era correspondido.
Lulu era um misto de delegado, comerciante, fazendeiro e entendido em medicina na Morada Nova do final do século XIX e início do século XX. Espirituoso, excelente papo, possuía um coração que mal cabia dentro dele. Por mais de trinta anos, Lulu foi Delegado de Polícia de Morada Nova e graças ao seu bom humor e confiança no ser humano possuía um elevado grau de persuasão, obtendo assim os acordos mais improváveis possíveis. Sua casa era cheia de amigos e de pessoas necessitadas que enchiam a sua mesa na hora do almoço ou jantar.
Certa vez, no inicio de uma tarde quente de outubro, debaixo de um sol escaldante, Lulu viu passar pela estrada defronte da sua casa um homem solitário, com uma pequena maca às costas. Perguntou: “Amigo, de onde você vem e para onde vai debaixo desse sol de rachar?” “Venho de Canindé e vou para o Rio Grande do Norte.” Respondeu o andarilho. “Venha descansar um pouco e almoçar conosco. Vou lhe emprestar um cavalo para o senhor não seguir essa viagem tão longa, a pé.” Insistiu Lulu. E assim procedeu. Alguns amigos duvidaram se ele algum dia viria novamente aquele cavalo. Porém, dias depois, uma caravana de romeiros do Rio Grande do Norte, devotos de São Francisco, trazia de volta o cavalo de Lulu e os arreios.
Ah, que bons tempos aqueles!... E como o mundo seria bem melhor se a gente pudesse restabelecer esse grau de confiança no ser humano! Se tentarmos, será possível.
Por Carlos Eduardo Esmeraldo
No último fim de semana que eu passei no Crato, esqueci de colocar gasolina no carro e a caminho do aeroporto, onde fora esperar uma sobrinha da minha nora, como era previsível acontecer, o veículo parou. Isto é: eu fiquei “no prego” de motorista. Como não havia nenhum posto de gasolina nas imediações, não tive dúvidas: ao primeiro moto-taxista que passou, resolvi lhe entregar uma cédula de cinqüenta reais, para que ele me trouxesse gasolina suficiente para me tirar daquela situação desagradável. Na aflição em que eu me achava, esqueci de perguntar pelo nome daquele salvador e de anotar o número da placa da sua motocicleta. Um risco: concordarão todos. Mas menos de dez minutos depois, o motociclista chegou com a gasolina, tendo prestado conta bem direitinho do dinheiro que eu lhe havia confiado. E ainda me ajudou a repor o carro em funcionamento, desobstruindo a alimentação do carburador, que como era natural, ficara entupido.
Já vai longe o tempo em que confiar nas pessoas era uma virtude natural e espontânea. Homens e mulheres carregavam dentro de si uma áurea de honestidade e de confiança mútua.
O historiador cearense Raimundo Girão, em seu livro de memórias “Palestina, uma agulha e as saudades”, nos revela que seu tio Luis Eduardo Girão, mais conhecido por Lulu, era um homem que confiava cegamente na honestidade dos outros. E sempre era correspondido.
Lulu era um misto de delegado, comerciante, fazendeiro e entendido em medicina na Morada Nova do final do século XIX e início do século XX. Espirituoso, excelente papo, possuía um coração que mal cabia dentro dele. Por mais de trinta anos, Lulu foi Delegado de Polícia de Morada Nova e graças ao seu bom humor e confiança no ser humano possuía um elevado grau de persuasão, obtendo assim os acordos mais improváveis possíveis. Sua casa era cheia de amigos e de pessoas necessitadas que enchiam a sua mesa na hora do almoço ou jantar.
Certa vez, no inicio de uma tarde quente de outubro, debaixo de um sol escaldante, Lulu viu passar pela estrada defronte da sua casa um homem solitário, com uma pequena maca às costas. Perguntou: “Amigo, de onde você vem e para onde vai debaixo desse sol de rachar?” “Venho de Canindé e vou para o Rio Grande do Norte.” Respondeu o andarilho. “Venha descansar um pouco e almoçar conosco. Vou lhe emprestar um cavalo para o senhor não seguir essa viagem tão longa, a pé.” Insistiu Lulu. E assim procedeu. Alguns amigos duvidaram se ele algum dia viria novamente aquele cavalo. Porém, dias depois, uma caravana de romeiros do Rio Grande do Norte, devotos de São Francisco, trazia de volta o cavalo de Lulu e os arreios.
Ah, que bons tempos aqueles!... E como o mundo seria bem melhor se a gente pudesse restabelecer esse grau de confiança no ser humano! Se tentarmos, será possível.
Por Carlos Eduardo Esmeraldo